A batalha pela atenção

Mylanne Mendonça
7 min readMar 8, 2023

Enquanto pesquisava sobre o assunto desse artigo, me deparei com uma imagem publicada em 1835 pelo jornal New York Sun que mostrava supostos habitantes da lua. A origem a imagem é uma série de 6 artigos publicados sobre a “descoberta” de um astrônomo britânico. Achei a história interessante e fui verificar se era mesmo real. Em seguida, fui postar a curiosa história no twitter. Esse é apenas um micro exemplo de como a internet funciona e prende nossa atenção por horas e horas.

Hoje podemos fazer praticamente tudo online: trabalhar, estudar, conhecer pessoas, ler, ouvir músicas, assistir vídeos e filmes… sem sair do lugar. Isso já seria suficiente para explicar por que estamos passando tanto tempo diante das telas, mas não é apenas isso.

Talvez seja hora de pensar em como a economia da atenção afeta nossa percepção do tempo e nossa conexão com o mundo ao nosso redor e encontrar maneiras de resistir à pressão por produtividade e consumo constante de informações.

Mas vamos por partes: o que é economia da atenção

Você sabe quando tempo costuma levar para decidir comprar algo? Você tem noção de quanta atenção dispensa a um produto exposto em forma de pirâmide no meio do supermercado? Você já parou para pensar no que te faz abrir ou não aqueles e-mails marketing que recebe todos os dias na sua caixa de entrada?

Provavelmente a resposta é não, exceto se você já estudou psicologia e comportamento do consumidor. Alguém sabe. Alguém sempre sabe e usa esse conhecimento para gerar lucro — muito bem, diga-se de passagem.

Sabe quando dizem que “se algo é grátis, o produto é você?” É isso. Nossa atenção é um recurso escasso e altamente lucrativo. É como se houvesse um poço de petróleo dentro da nossa cabeça e existe toda uma economia voltada para procurar, encontrar e vender esse poço de riqueza.

Atenção é sinônimo de ‘mostrar interesse’. Interesse” significa “enxergar valor” em algo ou alguém. Atenção, portanto, tem valor. Basta lembrar que tudo aquilo em que prestamos atenção, cresce. Seja um filme, um jogo de futebol, um jogo de celular ou relacionamento.

Para empresas, digitais ou não, sua atenção é a mercadoria mais valiosa do mundo. Tão valiosa que, dia após dia, pessoas, organizações e grandes grupos tentam encontrar maneiras de atraí-la:

· anúncios saltando da tela,

· notícias pensadas cuidadosamente para despertar emoções,

· redes sociais viciantes,

· …

Como a nossa atenção virou um mercado disputado?

Lembra da fake news dos habitantes da lua? Não foi apenas uma distração aleatória na minha pesquisa. Eu queria entender quando a nossa atenção se tornou um negócio lucrativo e, surpreendentemente, tudo começou antes mesmo da internet.

No início do século XIX, jornais e outras publicações impressas eram caras e restritas a poucos privilegiados instruídos. Até que um jovem editor chamado Benjamim Day percebeu uma oportunidade: o que aconteceria se vendessem o jornal por um preço mais acessível e com uma tiragem em massa? Logo ele descobriu o que aconteceria: o jornal passou a alcançar um número maior de pessoas e isso despertou o interesse de anunciantes.

Como resultado, o New York Sun se tornou o jornal de maior circulação de Nova York e outras publicações correram para ganhar o mesmo espaço, ainda que às custas de fake News e notícias sensacionalistas baseadas em assassinato, guerra, escândalos e intrigas amorosas. Qualquer semelhança com os tempos atuais não é mera coincidência.

Quase dois séculos depois e o método de Benjamim Day continua sendo utilizado e otimizado para alcançar um número assustadoramente maior de “leitores”. Pois é, eu também choquei!

Estamos em todos os lugares ao mesmo tempo?

Quem diria que os fundadores do google fossem, pelo menos nos primórdios da internet, contra publicidade em mecanismos de buscas. Nem preciso dizer que em algum momento eles mudaram de ideia. Mas quando e como essa busca e comercialização da atenção das pessoas passou dos limites?

Qualquer pessoa que passa a maior parte do tempo olhando para telas planas ou smartphones está em toda parte e em lugar nenhum, ao mesmo tempo. O mundo da internet não é um lugar onde podemos ficar, mas esses lugares virtuais são o que o filósofo francês Marc Augé chamou, na década de 19910, de não-lugares. Quando cunhou o termo, ele tinha em mente aeroportos e estações de trem, ou seja, lugares onde não estamos realmente hospedados, mas apenas de passagem, são áreas de trânsito da vida.

Se transferirmos essa ideia para os mundos virtuais ilusórios da Internet, conseguimos perceber o caráter transitório desses “lugares”. Onde você realmente está quando está no Instagram, Youtube, Twitter…?

Então, o que fazer? A resposta: NADA.

Já não é segredo para ninguém que as empresas nos mantêm presos nas telas através de conteúdos direcionados e personalizados; que os algoritmos que determinam o quê e quando veremos são programados para explorar nossas vulnerabilidades psicológicas, alimentadas por dados que compartilhamos sobre nós mesmos sem sequer nos dar conta. Nas palavras de Chamath Palihapitiya , a ex-vice-presidente do Facebook, apesar de não percebermos, nós é que estamos sendo programados.

O problema não é a tela em si — seja ela qual for -, mas nossa própria mente acostumada com a hiper conectividade. Falar sobre isso hoje, quando podemos carregar na palma das mãos milhões de informações e novas tecnologias surgem a cada minuto, parece pessimista. Pode soar como as previsões apocalípticas sobre a influência da televisão quando o aparelho começou a se popularizar, mas o excesso de telas e o nosso total descontrole sobre onde, como, quando e em quê prestamos atenção pode ser, de fato, muito prejudicial.

O que fazer diante desse cenário? A sugestão e provocação da Jenny Odell no seu livro Resista: não faça nada: A batalha pela economia da atenção é resistir à busca desenfreada por nossa atenção e não fazer nada.

Considerando os últimos movimentos como o quiet quitting (traduzido como demissão silenciosa) cuja premissa é basicamente fazer o mínimo, citar um título que diz, já na capa, para não fazermos nada, pode trazer conclusões precipitadas.

Não fazer nada não significa um “fim de semana de retiro”, curtir preguiça, e também não significa pedir demissão ou se aposentar mais cedo — algo que só é possível para poucos. Não fazer nada e escapar da economia da atenção significa fugir do ritmo e da pressão da produtividade a qualquer custo e dos cliques infinitos.

As vezes dá vontade de fugir, de não ter que responder mensagens, e-mails, desconectar das redes sociais, trocar os pixels das telas pela luz natural. Mas, não demora muito e somos puxados de volta porque, afinal, não podemos ficar de fora por muito tempo. Atualmente, dependendo do tipo de trabalho que fazemos, não ter redes sociais, por exemplo, é como ser invisível. O boca-a-boca foi substituído pelo compartilhamento via aplicativo de mensagens. Então, quem não pode simplesmente excluir aquela rede social famosa porque são obrigados a interagir online, precisam encontrar espaços (externos e internos) para estar offline.

Na prática, como não fazer nada?

É difícil pensar em como “não fazer nada” em um sistema que exige nossa atenção constantemente. Exatamente por isso, o não fazer nada pode ser muito subversivo. Porque a economia da atenção depende existencialmente de fazermos algo constantemente. Em um sistema que comercializa tudo e todos o tempo todo e onde empresas ganham dinheiro com a atividade e fluxo de dados, parar e não fazer nada chega a ser disruptivo.

A luta para recuperar o controle pela nossa atenção pode não ser tão simples. Primeiramente, é preciso perceber que nossa atenção está sendo capturada e direcionada, perceber os prejuízos pessoais, profissionais, acadêmicos e emocionais e lutar para recuperá-la. Ou seja, lutar contra o próprio sistema.

Geralmente, quando se questiona o novo padrão de produtividade máxima, a culpa costuma ser atribuída a nós, mesmo que indiretamente. É como se nós tivéssemos simplesmente comprado a ideia, sem questionar, e acabamos normalizando o estresse que muitos de nós sentimos por não fazer o suficiente (ou pela sensação de não estar fazendo tudo que deveríamos).

Quando buscamos explicações e alternativas para a dificuldade crescente de concentração, encontramos muitas “soluções” baseadas em: x passos para vencer a procrastinação; o segredo da produtividade; faça mais em menos tempo e use o tempo livre para fazer mais.

Dificuldade de concentração não é uma causa ou consequência, nem mesmo sinônimo de procrastinação. Um ser humano leva, em média, 23 minutos para se recuperar de uma distração. Quando você está constantemente distraído é muito difícil, senão impossível, se concentrar.

É quando a necessidade e a, consequente, satisfação oferecida pelas telas é tanta que se torna quase um problema de saúde.

Não dá para se desconectar 100% do mundo digital e online. Hoje, praticamente toda nossa vida está sincronizada em nossos smartphones. Dependemos das notificações para lembrar o aniversário de um amigo e quem decora números de telefone em pleno século XXI? Mas se não podemos nos livrar do mercado ávido pela nossa atenção, podemos pelo menos nos emancipar e escolher nossas alienações.

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Mylanne Mendonça

Escritora. Apaixonada(mente) curiosa. Aleatória(mente) distraída.